sábado, 24 de julho de 2010














Gosto das árvores, de ficar deitado enquanto escuto os sussurros dos galhos rasparem na vidraça. Quanto a dizer o que são as árvores, não mais sei do que somente admira-las . E no entanto, isso perdura enquanto há vida.
Após a vida, a queda lenta dos pedúnculos verdes, enchendo o cálice da flor, à medida que vira, e nos enche de luz - momentos no qual a corola da fêmea flor exibi a nudez disfarçada entre tantos outros detalhes - banhando-nos com uma sensação ininteligével, talvez um desejo para persistir, algo que incita o apetite de viver; e viver apenas.



























[junior ferreira]

sexta-feira, 23 de julho de 2010













Do sofá, avistei, na estante, Lispetor, Cecília Meireles, Zélia Gattai e alguns anarquistas, graças a Deus -todos tão modestos e envelopados em folhas amareladas. Não hesitei, fui limpar a estante, sempre a quinta prateleira primeiro. Tantos livros, e ainda não consigo entende-los em sua totalidade - isso, talvez, é aquela coisa que eles denominam distração.
Limpei e organizei em ordem alfabética - por autores - todos os livros. Embora o lugar, escrupulosamente limpo, agora, fosse mantido em ordem, em todo o resto da sala notava-se uma estranha nudez, ausência de adornos, dos papéis pelo chão.
Notável presença daquilo que vem em certas horas para nos sufocar; uma ausência que não se descobre a origem e nem quando há de ter fim.

































[junior ferreira]

quarta-feira, 21 de julho de 2010












[A idéia de paixão o atormentou por um certo momento, e amargurado, levantou-se da cama e decidiu caminhar. De qualquer modo, seguiu em frente. A grande questão nas caminhadas é que ninguém se permite parar para descansar por muito tempo; todos logo se levantam para andar até se cansar novamente, e o desejo de acabar com o cansaço dá aos mais filosóficos, ou mesmo aos distraídos pelo amor e seus tormentos, uma sobrepujante razão para só ter um objetivo em mente, chegar em casa.
E quando se chega em casa, no lugar comum que não há solidão à de quem se vê sozinho; apaixonado mesmo sem saber por quem; como chegou àquele momento e se quis, realmente, estar ali. Pense o quão singular pareceria ficar sentado, excluindo cada momento dúbio, refletindo se se apaixonar platonicamente é um grande erro.]















[junior ferreira]















segunda-feira, 12 de julho de 2010














Um tanto incólume e incomum, dava para perceber os musgos, sorrateiramente, invadirem a casa da senhora Parvett, de acordo com que as madeiras tornavam-se menos férteis. Certamente suas janelas, ainda que briguem com o tempo, perduram na constante e frenética sensação oscilatória de se sacudirem. Não que a glória a tenha deixado, contudo a substância fora substituída pela languidez que se dispusera a cada canto.
Crescentes, as tentações não desviavam meu olhar ao tentar traduzir os epitáfios marcados na escada da mansão Parvett, embora apagados em certos instantes, visíveis em certas proporções; obscuros e desconexos de si como Elizabeth naquele lado da moeda ainda incoercível com os verdadeiros lados.
Os detalhes eram visíveis, enquanto viva. Inigualável e singular a senhora e a mansão indumentaram a cidade em diversas cores e sentidos: Amarela, quando próximo ao fim do Outono; Vermelho e marrom ao queimar os lábios pelo frêmito da paixão; Cinza ao se despertar neste nosso tempo, como se já não bastasse morta e agora acorda aquela coisa que sai de dentro da casa e deixam os ouvidos surdos.
Os retratos tornaram-se comuns. Maquiar de forma sensata, aniquilando os preceitos da verdade em recorte e borrões, fato inato a cada artista. Não compreendo mais a mansão desde que as cores passaram a multiplicar-se e transformar tudo ao redor, adquirindo a sua constante e elaborada forma. Isso remete-me ao buraco, no qual a presença da ausência intercala-se no peito. Detalhe, que talvez, denomino de saudade.





















[junior ferreira]

sexta-feira, 9 de julho de 2010














Arrumei as cadeiras em certas posições ao redor da mesa, ainda quadrada. Dissonante, a pintura da parede não se convergiu ao conjunto que eu organizei no meio da sala.
Após arrumar as cadeiras, na mesa, geometricamente, coloquei os talheres. Voltei-me ao forno, o frango ja estava dourado, não há o que impeça agora, de servi-lo da minha maneira. Sentei-me e aguardei o tempo combinado pelos amigos. Esperei. O tempo fez o seu trabalho e me fez cochilar. O frango havia esfriado, quando acordei, e os talheres estavam da mesma maneira. Resolvi servir-me então. A idéia de ter algum diálogo numa sexta-feira fora deixada pela primeira garfada, e ocorreram longos e duradouros monólogos até a ultima gota de vinho.
Ao encerrar disse a mim mesmo que iria comprar livros.






















[junior ferreira]













Equanto a empregada tentava acalmar a vizinha, ainda mais gritos saltavam das janelas. Levantei-me então e fui até o corredor, lugar no qual tudo ocorria.
A vizinha estava despida e desesperada, parecia falar em outra língua, talvez grego, suas lágrimas escorriam para cima, entravam em seus olhos. A senhora então começou a xingar a todos em grego, sim era grego. Desesperada saiu correndo pelo corredor, e bem no fim ela pulou a janela. Esta cena tornou ainda mais complexo a situação. Todas as pessoas que assistiam se entreolharam e foram se afastando. Entrei para o meu apartamento, a empregada continuou seus afazeres, nada parecia ter ocorrido.
Então acordei. Levantei-me e fui até a varanda. A vizinha estava fumando em sua varanda e acenou com a cabeça, devolvi com um sorriso, ainda torto. Eram dez da manhã e as pessoas na rua mantinham a mesma pressa de sempre. Este vínculo entre o sonho e eu mesmo quase me desvencilhou da realidade. Ao ver o mau humor tomar por completo a vizinha quando a empregada derrubara a orquídea, percebi, neste momento, que havia realmente acabado de acordar.

























[junior ferreira]

terça-feira, 6 de julho de 2010














"Ele me mandou flores hoje." contava à sua amiga como se fosse algo banal, como se receber flores fizesse parte de suas manhãs. Pelo menos era o que expressava enquanto tomava o café, e sua amiga, impaciente e curiosa, a observava, esperando mais detalhes, mais flores. Mas a conversa não progrediu, parou por ali e ambas se levantaram e saíram da cafeteria.
Fiquei ainda lá um bom tempo e as vi cruzando a rua. Enquanto a garota que parecia solteira falava, a outra fazia gestos como se já soubesse de tudo, mostrando-se sábia, pelo menos simulava essa idéia. Senti muita preguiça e voltei os olhos ao meu café.
Nada mais escuro que o meu café, menos sólido, que trêmulamente refletia meu nariz e olhos de uma maneira a tornar-me indescritível.
Se não fossem pelas flores, talvez não teria dado tamanha atenção ao diálogo, pois justamente estas que me atraem com tal beleza e fascínio. E direciono-me às orquídeas e aos olhos da maçã que se consome no fogo de sua pele, e exibe o vermelho, entre o amarelo da banana, de dentro da vasilha bem em cima da mesa. Iluminando a sala e a cozinha, acompanhada pela leveza do sol de fim de tarde que se esvai junto ao dia, a maçã consome-se sozinha e perde o seu brilho quando grita a noite.




























[junio ferreira]

segunda-feira, 5 de julho de 2010

[alguns resmungos]


[...]













[Sob certas luzes, que se produzira através do efeito das oscilações das cortinas da janela, pergunto-me se era mesmo uma mancha na parede ou uma árvore nascendo no canto da sala. Algumas coisas em forma de galhos foram espalhando pequenos feixes deslizantes de luzes que cortavam as gavetas e depois subiam pela parede e acabavam na estante. Para ser mais preciso as luzes tinham um fim na quinta prateleira da estante, na qual iluminavam-se a teoria quântica, a literatura de Jorge Amado e Drummond, a cabeça de Raduan Nassar sustentada pelo instinto materno de Lispector, alguns CDs que desconheço a origem e a robô de alumínio, a qual exige o mínimo de força para lhe dar uma idéia de vida e faze-la andar pela prateleira de madeira, retorcendo o som de sua máquina de metal que ecoa por todo o resto da casa.]


























[junior ferreira]

domingo, 4 de julho de 2010

[Abraçaram-se num mesmo fugor como se a despedida fosse para a eternidade. Percebi que a garota morena e de cabelos compridos não parecia gostar do abraço, recebendo-o com um certo desdém, sorriu num inefável disfarce. Como se não bastasse, sua amiga transcendeu a exímia farsa num sorriso recíproco. Nenhuma das duas percebera tamanho teatro, somente eu que tentava neste momento achar, entre milhares, a chave do meu apartamento.
Elas pareciam ter se esquecido de algum detalhe e retornam a conversa descartando a primeira despedida. Falam mais algumas coisas no corredor e as unhas tiveram sua importância, finalmente, enquanto a garota morena as roia desesperadamente ao saber, talvez, de uma notícia não tão boa.
Entre tantos outros espantos, sorrisos e abraços a tarde esvaiu-se e as duas entraram em seus respectivos apartamentos. No corredor as gargalhadas ecoaram-se por um bom tempo e aquele ar penetrou em minha sala, impregnando-se em meus cabelos e pele. Até o momento do banho senti-me tão sujo quanto o dialógo que se ponderou no corredor.]




















[junior ferreira]