quinta-feira, 21 de novembro de 2013

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Como ele era belo, nem fazia questão de arrumar os cabelos ou pentear a barba, era por si uma coisa muito linda. A sua testa reluzia as cinco da tarde, olhando pra fora da janela, no quintal, enquanto eu terminava o meu chá na efêmera visita do sol. Sua bota espalhava o cheiro do trabalho e do cansaço do dia - o qual parecia infinito. Minha boca pedia a boca dele. Meus olhos se enchiam em prazer ao vê-lo. Não fazia esforço para ser gentil ou educado. Sinto falta de como ele preparava o meu café e o assoprava antes de me entregar para não queimar os meus lábios. Esta tudo conectado, hoje, num descompasso. Estamos em dimensões diferentes. Ele tem uma nova vida, família, filhos. Tenho o meu cachorro, minha escola de pintura. Éramos singulares, e hoje sou ainda mais singular. Deitar na cama, despida, e esperar pelo corpo dele tocar o meu, com toda a sinceridade e amor, já não é mais rotina. É lembrança. Crônica. Poesia do Saramago. Tudo menos a verdadeira carne que grudava e deixava aquele suor em minha pele. Viveria em paz se não fosse esse abandono as avessas; essa ilusão sem nexo e sem fim. Teria sossego se não fosse pela minha memória.















[junior ferreira]

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